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Lincoln ou como Spielberg não sabe ser mau no que faz...

Antes de mais, sai uma pequena curiosidade neste Lincoln de Steven Spielberg: os presidentes dos EUA retratados no filme, Ulysses S. Grant e "Honest Abe" Lincoln, são interpretados por... actores ingleses! Algo que os "Founding Fathers" não iriam achar grande piada certamente...
Adiante. Este Lincoln de Steven Spielberg entra no seu impecavelmente tratado rol de filmes históricos. Saving Private Ryan, Schindler's List, Munich, War Horse ou Amistad. Se quisermos, podemos incluir a saga Indiana Jones. De todas as virtudes que se possam apontar ao mago do cinema, a maior é a credibilidade dos seus cenários! Nada é artificial e tudo ganha efectiva vida diante dos nossos olhos. Somos efectivamente sugados para "aquele" tempo, evitando-se ao máximo a vertigem do CGI. Por exemplo, de todos os filmes acima citados, o menos eficaz é, sem dúvida, Indiana Jones e o Reino das Caveiras de Cristal. Porquê? O CGI é muito visto/pesado ao longo do filme, torna-o muito plástico. E foge ao conceito visual dos três primeiros filmes: a reprodução do ambiente visto nas séries de TV na década 40 e 50! Sem truques, só arte quase manual!
Lincoln é quase um documentário histórico, onde se dá muita importância aos diálogos com a panóplia de personagens secundárias. Às explicações que levaram à aprovação da abolição da escravatura e fim da guerra civil. É a sua grande virtude. Spielberg claramente não quer mostrar Lincoln, o seu mandato e o que foi, na sua amplitude, este presidente na História dos EUA. Quer apenas mostrar um processo, uma faceta do seu mandato. Nada mais! Se repararmos num detalhe interessante, nem a cena do seu assassinato é mostrada, algo que seria mais do que esperado por todos num filme sobre Abe. Muitos poderiam qualificar isso como decepcionante, mas o scope do filme não é esse. É a descrição do processo, o relato histórico! E é nisto que Spielberg se destaca. Nunca se afasta muito do objecto dos seus filmes. Lembram-se de Schindler? É o mesmo... Saving Private Ryan??
 E com isto não perde muito tempo em subenredos. Mesmo sendo muito ricas as personagens que gravitam em redor de Lincoln. E aqui é importante a estaleca dos actores secundários. Senão vejamos: David Strathairn (um dos meus actores favoritos, fantástico! Vejam-no em Boa Noite e Boa Sorte), Jared Harris, Joseph Gordon-Levitt (que se prova como dos melhores da sua geração. Multifacetado) e Sally Field. E, claro, Tommy Lee Jones! Todas estas personagens têm tempo de antena, mas o espectador nunca entra na profundidade da história de cada um, mas todas contribuem para o quadro colectivo através do detalhe dado nos seus "tempos". Todas as personagens têm substracto suficiente para um filme próprio e isso percebe-se desde logo, mas não precisamos de nos dispersar do objecto central do filme. Fantástico! Percebemos o que os move, qual a sua função para história e relação com Lincoln. E nunca perdemos de vista o cerne... Dois exemplos: percebemos a relação de Lincoln com o filho Robert em pouquíssimo tempo. E percebemos o que move Tommy Lee Jones num simples twist final que dura um minuto, quando este se deita com uma negra, como marido e mulher! Simples, não?
 
Por último, o enorme Daniel Day-Lewis. Se é papel para Oscar, ele vence-o mesmo! Simples como isto! O inglês "veste", para quem não sabe, a pele das personagens que interpreta, mesmo fora do plateau! Exemplo: em O Meu Pé Esquerdo, Day-Lewis andava de cadeira de rodas no seu dia a dia... E o "seu" Lincoln é magnético. É a virtude maior deste filme. E se calhar o seu problema... Os nossos olhos, nas inúmeras e citadas interacções, são sempre puxados para ele! Quando digo que a performance de Day-Lewis pode ser também o (único) problema do filme, quero dizer que eventualmente a história converge sobre ele. Sendo que se actores existem que conseguem "carregar" um filme, este inglês é um deles! O seu carisma é indubitável e essa era uma característica do antigo presidente americano. O seu timing é perfeito e nos vários momentos da história o seu estilo diversifica-se eficazmente. Quer em momentos em que se assume como "o" presidente dos EUA, quer em momentos mais familiares na interacção com a eficaz Sally Field. Quando o filme avança sem Day-Lewis no ecrã a coisa parece algo... vazia. Entramos puramente no campo documental, algo que é feito com mestria, mas pode ter pesado na relação com, por exemplo, Argo na noite de Oscares. Pode-se ter perdido um épico com ainda maior amplitude, mas ganhamos um impecável objecto histórico! Como visto na reprodução fidelíssima na última cena... 
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